A medicina dentária como um serviço de saúde e uma empresa privada

Comecemos por abordar a questão dos custos da saúde oral: o que está por detrás dos preços cada vez mais elevados da medicina dentária? Antes de mais, gostaria de desmistificar uma crença comum: um dentista é um médico cuja especialidade é a cavidade oral. Não há muitas profissões que permitam a prática de um leque tão vasto de intervenções como a carteira profissional de dentista, porque a medicina dentária pode assumir muitas formas, ao mesmo tempo que influencia a saúde geral, tanto directa como profundamente.

Em Portugal, onde estou, a maioria das clínicas dentárias são privadas, o que significa que a maioria dos dentistas estabelece os seus próprios preços e cria o seu próprio ecossistema de trabalho. Isto significa que, para além de ser um serviço de saúde, uma clínica dentária privada é uma empresa: o seu objectivo é prestar um serviço de alta qualidade e oferecer aos pacientes uma experiência global melhor do que a que teriam num hospital público.

Um dentista que trabalhe num hospital público (ou mesmo um dentista que trabalhe numa clínica dentária pré-estabelecida) não tem de se preocupar com aquisições, questões legais, materiais – está tudo lá, trabalham com o que lhes é dado. Trazem as suas competências e tornam-se parte de um ecossistema pré-existente, trabalhando por um salário fixo ou uma comissão, ou ambos.

Os desafios financeiros da criação de uma clínica dentária

No entanto, se um dentista quiser criar o seu próprio ecossistema, a sua própria clínica dentária privada, há um enorme trabalho a fazer. Um dentista não tem uma licenciatura em Gestão de Empresas, o que significa que está a enfrentar um enorme desafio desde o início. Para montar uma clínica privada, um dentista tem de encontrar um espaço, negociar a renda, encontrar um arquitecto, engenheiros, designers, construtores, adquirir tecnologias, contratar uma equipa profissional e completa, comprar materiais de qualidade, obter licenças… A energia necessária para o desenvolvimento de um negócio é assustadora, especialmente porque a principal missão de um dentista é, muito simplesmente, tratar os dentes das pessoas. Isto leva-nos a perceber o valor dos proprietários de pequenas empresas, que trabalham arduamente para prestar um serviço excelente e dedicado.

E, mesmo que os doentes não façam ideia do que se passa nos bastidores, querem sentir que estão a ser tratados da melhor forma possível. Um dentista, que agora é proprietário de uma empresa, deve certificar-se de que existe capital próprio para garantir que a sua clínica se mantém à tona se algo correr mal. Em última análise, isto significa que os bons dentistas prestam um serviço fantástico não só quando trabalham com paixão no seu ofício, mas também quando estão empenhados em utilizar os melhores materiais do mercado, em possuir tecnologia de ponta e em investir continuamente na sua formação. Num domínio em constante inovação e num mundo onde é importante estar sempre actualizado, estes esforços custam tempo e dinheiro. Com que frequência é que o seu dentista participa em convenções ou cursos para aprofundar os seus conhecimentos? Com que frequência é que o seu dentista actualiza os seus materiais? O seu dentista dispõe da melhor tecnologia disponível? Se a resposta a qualquer uma destas perguntas for sim, então os custos destes investimentos têm de ser atenuados de alguma forma – e isso faz-se praticando preços justos.

Compreender os investimentos de bastidores

Para compreender o custo, o consumidor deve compreender o investimento. Os materiais têm de ser actualizados, os protocolos de higiene e segurança têm de ser cumpridos, as licenças têm de ser renovadas. Os honorários pagos pelo paciente incluem os custos da cadeira confortável, da broca, das luvas, da iluminação, do equipamento, da tarifa horária, da formação do dentista, dos impostos, etc.

Simplificando, a razão pela qual os hospitais públicos e as clínicas privadas têm preços tão diferentes para serviços aparentemente semelhantes é o facto de não exigirem o mesmo investimento. Um dentista num hospital público atende dezenas de pessoas por dia e presta serviços subsidiados (pelo Estado ou pelas companhias de seguros), ao passo que um dentista privado não o faz. E mesmo que um dentista exerça numa clínica privada, em parceria com uma companhia de seguros, esse valor subsidiado (de que o paciente certamente usufruirá!), está a ser retirado directamente dos seus honorários.

Para praticar a Slow Dentistry – a medicina dentária de excelência centrada no bem-estar do paciente – um dentista não pode estar a preencher documentos, a atender dezenas de pessoas todos os dias e a trabalhar sob pressão. Ao trabalhar desta forma, o dentista não está a criar um impacto positivo na saúde das pessoas e, em última análise, está a pôr em risco a sua própria saúde. Embora acredite que trabalhar com a medicina dentária socializada é uma óptima oportunidade para ajudar uma parte desfavorecida da sociedade a ter acesso aos cuidados de saúde, é minha convicção pessoal que os esforços do governo seriam mais bem aplicados em campanhas educativas e de sensibilização, para resolver o problema de raiz.

O meu coração está com todos os dentistas proprietários de pequenas empresas privadas que dedicam o seu sangue, suor e lágrimas às suas clínicas. Sinto-me na obrigação de assegurar que os médicos da minha clínica actualizam continuamente os seus conhecimentos, que o meu pessoal é bem tratado, que todas as medidas de segurança são cumpridas, que tudo funciona como um relógio.

Como paciente dentário, da próxima vez que visitar o dentista, faça o seu trabalho de casa: siga o dinheiro. Lembre-se de que não está a pagar apenas por uma consulta, está a pagar por todo o ecossistema dessa clínica. Pense em tudo o que adora na sua clínica dentária e nos investimentos de bastidores necessários para que isso aconteça.